quinta-feira, 2 de junho de 2011

AS PESSOAS NO CAFÉ

"Uma das últimas vezes em que estive num café foi num domingo de Verão, recordo-me bem, porque quase toda a gente estava sem casaco e gravata, e pensei: Será que afinal não é domingo?, e o facto de ter pensado exactamente isso faz com que me recorde. Sentei-me numa mesa no meio da sala, rodeado de muitas pessoas a comer bolos e sanduíches, mas quase todas as mesas estavam ocupadas por uma só pessoa. Dava uma grande impressão de solidão, e como há muito tempo não falava com ninguém, não me teria importado de trocar umas palavras com quem quer que fosse. Meditei algum tempo sobre como poderia fazê-lo, mas quanto mais estudava as caras em meu redor, mais difícil me parecia, com todos aqueles olhos que pareciam não ver; o mundo tornara-se, de facto, realmente deprimente. Mas a ideia de que seria agradável que alguém me dirigisse umas quantas palavras já tinha ficado na minha cabeça, de modo que continuei a pensar, pois é a única coisa que ajuda. Ao cabo de algum tempo soube o que ia fazer. Deixei cair a minha carteira fingindo que havia sido por acidente. Ficou estendida ao lado da minha cadeira, completamente visível para todos aqueles que estavam sentados à minha volta, e vi que muitos a olhavam de soslaio. Pensei que talvez uma ou duas pessoas se levantariam para apanhá-la e devolver-ma, pois afinal sou velho, ou ao menos que me chamariam a atenção, por exemplo: "Deixou cair a sua carteira." Quantas desilusões pouparíamos a nós próprios se deixássemos de ter esperança. Por fim, depois de vários minutos a olhar de soslaio e a esperar, fiz como se de repente me tivesse dado conta de que a havia perdido. Não me atrevi a esperar mais, pois comecei a recear que um desses mirones se atirasse repentinamente à carteira e desaparecesse porta fora com ela. Ninguém podia estar absolutamente seguro de que não continha uma boa quantia de dinheiro, pois acontece às vezes os velhos não serem pobres, alguns são até mesmo ricos, assim é o mundo, aqueles que agarram o que podem na juventude ou durante os seus melhores anos recebem a sua recompensa na velhice.
Assim são as pessoas no café nos dias que correm, isso ao menos aprendi. Enquanto se vive nunca se deixa de aprender, embora não saiba para que serve isso agora, pouco antes de morrer."
 
Kjell Askildsen, do Últimas Notas de Thomas F. Para o Público em Geral, in Um Repentino Pensamento Libertador, trad. Mário Semião, Edições Ahab, Julho de 2010.

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